terça-feira, 3 de abril de 2018

Felizmente há luar!



3 de Abril de 1926 - Nasce Luís de Sttau Monteiro, autor de "Felizmente Há Luar!"

(Lisboa, 03-04-1926 – Lisboa, 23-07-1993)
Luís Infante de Lacerda Sttau Monteiro nasceu em Lisboa, 
mas a sua educação foi feita em Londres, para onde
partiu com o pai, Armindo Monteiro, que aí exerceu 
funções de embaixador entre 1936 e 1943. Em 1943,
 após a demissão do pai por discordâncias políticas
 com o governo de Salazar, a família regressou a Lisboa,
 onde Sttau Monteiro finalizou os estudos, licenciando-se
 em Direito pela Universidade de Lisboa em 1951. Exerceu
 advocacia apenas durante dois anos, após os quais parte
 para Londres. De regresso a Portugal, trabalhou
 como tradutor e publicista colaborando em várias
 publicações como a revista Almanaque (1960), onde
 assinou crónicas gastronómicas sob o pseudónimo
 de Manuel Pedrosa, e o suplemento “A Mosca” no Diário
 de Lisboa, vindo a destacar-se neste mesmo jornal a sua
 coluna com as redacções da Guidinha, posteriormente
 publicadas em livro (2002).
Em 1960 iniciou-se na escrita de novelas com Um
 homem não chora, e em 1961 prosseguiu com 
Angústia para o jantar, ganhando notoriedade na escrita
narrativa. Mas foi pelo teatro que concitou as maiores
atenções. Em 1961 publicou Felizmente há luar!, drama
narrativo histórico baseado na figura de Gomes Freire de
Andrade, situado na linha do teatro épico. Esta peça foi
distinguida, em 1962, com o Grande Prémio de Teatro
da então Sociedade de Escritores e Compositores 
Teatrais Portugueses, mas a sua representação foi 
proibida pela censura, só subindo ao palco em 1975. Com 
este texto, Sttau Monteiro iniciou uma temática que 
prosseguiu nas obras seguintes: a defesa do Homem, da 
liberdade, a luta pela justiça social e a denúncia política. 
Aquando da publicação da peça, Sttau Monteiro 
encontrava-se na prisão por suspeita de ter colaborado na 
“intentona de Beja” (1962).
Esta experiência traumática levou-o a sair de Portugal, 
indo uma vez mais para Inglaterra (onde permaneceu 
de 1962 a 1967), continuando, porém, a escrever para
teatro com originais e adaptações: Todos os anos pela
Primavera, em 1963; O Barão (adaptação do romance de 
Branquinho da Fonseca), em 1965; Auto da Barca do 
motor fora da borda (adaptação do Auto da Barca do 
Inferno de Gil Vicente), em 1966. Foi preso pela PIDE em 
1967, após a publicação das peças satíricas A Guerra 
santa e A estátua, onde teceu duras críticas à ditadura
e à guerra colonial. A experiência de dois meses de prisão
levou-o a escrever em 1968 a peça As mãos de Abraão Zacut
cuja acção se situa num campo de concentração. Foi 
representada pela primeira vez em 1969, pelo Teatro Estúdio
de Lisboa, com encenação de Luzia Maria Martins.
Foi co-autor, com Alexandre O'Neill, dos diálogos para o filme
 de Artur Ramos, Pássaros de asas cortadas (1963), adaptação 
para cinema da peça homónima de Luiz Francisco Rebello. Em 1971, 
com Artur Ramos, adaptou ao teatro o romance de Eça de 
Queirós A relíquia, representada no Teatro Maria Matos, e, ainda
no mesmo ano, escreveu a peça Sua Excelência, uma nova sátira 
social, projectada para o mesmo teatro. Em 1978 concebeu para o 
Grupo 4 (Teatro Aberto) a peça de inspiração satírica e brechtiana 
A crónica atribulada do esperançoso Fagundes, que teve música 
de Pedro Osório e canções de José Carlos Ary dos Santos e 
Paulo de Carvalho.
A maioria das suas peças está traduzida em várias línguas e 
publicada em diversos países. Por sua vez, traduziu algumas 
peças de teatro como Summer and Smoke (Fumo de Verão
1962), de Tennessee Williams, e The Dumb Waiter (O monta-cargas, 
1963) de Harold Pinter.
Fonte: http://cvc.instituto-camoes.pt



Felizmente há luar!
Autor: Luís de Stautt Monteiro
Influência maior: Berlott Brecht – Teatro Épico
O TEATRO ÉPICO:
Debruça-se sobre o Homem, no seu constante devir - é uma luta permanente para transformar a sociedade. 
Para isso, usa a técnica da Distanciação Histórica e o realismo.
É preciso procurar um facto histórico mais remoto e compará-lo com a realidade próxima que se quer denunciar. Ao criticar o passado, consegue transpor a mensagem para o presente, obtendo assim um paralelismo fiável. 
Os actores não interagem com o auditório. O papel deles é apresentar uma ideia e não criar empatia. Deste modo, atinge-se a lucidez à o público formula juízos de valor.
OBJECTIVO: - Levar a sociedade (público) a tomar consciência da realidade.
PORQUÊ?
- A tomada de consciência leva à acção. 
- A acção leva à mudança.
A OBRA: 
Tempo da História: século XIX
Tempo da Escrita: século XX
PERSONAGENS: 
É possível agrupar algumas personagens segundo as suas posições.
1. Os do Poder: 
D. Miguel Forjaz
. Marechal Beresford
. Principal Sousa
2. O Povo: 
. Manuel, o mais consciente dos populares
. Rita
. O Antigo Soldado
. Vicente
3. Os Delatores:             
. Morais Sarmento
. Andrade Corvo
. Vicente
As individuais: 
. Frei Diogo de Melo, o homem sério da igreja
. António de Sousa Falcão, o amigo
. Matilde de Melo, a companheira de todas as horas
. General Gomes Freire de Andrade
Nota: Vicente é a única personagem que evolui na obra: começa como membro do povo e acaba no grupo dos delatores, elevado a chefe da polícia.
Manuel:
. Representa o povo oprimido e esmagado.
. É lúcido e consciente.
. Usa uma linguagem popular que combina com o realismo da obra.
General Gomes Freire: 
. Único
. Com valores, íntegro
. Politicamente liberal, igualitário
Vicente:
. Desrespeita/ Despreza o povo – FALSO HUMANITÁRIO
. É contra o general
. Traidor, calculista
. Ambicioso, materialista
. Subtil, inteligente
. Egoísta
D. Miguel Forjaz: 
. Anti-progressista/ retrógrado
. Conservador
. Autoritário
. Medroso 
. Sem escrúpulos/ mercenário
. Corrupto – deixa-se corromper e tenta corromper os outros
. Vê o liberalismo como anarquia e caos
. Acha-se superior – absolutista: “Um mundo em que não se distinga a olho nu um nobre de um popular não é mundo em que eu deseje viver” 
. Falso demagogo “Deus, Pátria e Família”
Marechal Beresford:
. Mercenário
. Lúcido e consciente
. Mau soldado, mas bom estratega
. Pragmático
. Calculista “não é prudente ainda dizê-lo”
. Ardiloso – trama a confusão mas não a integra
Principal Sousa: 
. Corrompido pelo poder
. Deveria semear a paz e semeia o confronto
. Hipócrita
. Contra o liberalismo – odeia os francesas por causa das suas ideias
. Anti-progressista
. Cínico
Frei Diogo:
. O lado bom da igreja 
. Homem com compaixão
. Conforta Matilde
. Defende Gomes Freire – corrobora a sua inocência
. Opõe-se ao Principal Sousa
Matilde de Melo: 
. É a força do segundo acto
. Está desesperada
. Luta por: lealdade, justiça, verdade
. Digna
. Apaixonada e devota a Gomes Freire
. Por vezes, parece um pouco alucinada
. Culta, vivida
. Forte, lutadora, destemida
. Inteligente
. Grande poder de Argumentação (ver discussão com Principal Sousa)
. Oscila entre dois pólos: 
. uma mulher feminina, frágil, consumida pela angústia, a suplicar pelo amor da sua vida, não temendo sequer contrariar princípios. 
. uma mulher forte, destemida, que acusa os males do seu povo e denuncia a corrupção e a falta de índole, a tirania.
“Cortam-se as árvores para não fazerem sombra aos arbustos!”
AS DIDASCÁLIAS: 
Existem as didascálias normais, que se seguem ao texto, e as didascálias marginais, típicas do teatro de Brecht. Estas corroboram o distanciamento histórico.
Luz/Sombra: 
. A falta de luz no cenário (escuridão total) mostra o clima da época – o regime opressor, a ignorância do povo, a obscuridade.
. A intensa luminosidade no Manuel (primeira cena) corrobora a indicação inicial “Manuel, o mais consciente dos populares”. Luz é conhecimento, lucidez.
SÍMBOLOS: 
A Moeda:
- a miséria do povo, a esmola
- o compromisso que o povo tem para com o General:
. É como uma medalha de honra para Matilde.
. É símbolo da fé que o povo tem no General.
. Mostra que povo não luta porque não pode.
- a traição da igreja (à semelhança de Judas, a igreja vende-se em nome do dinheiro e do poder)
A Fogueira:
- Por D. Miguel: símbolo de purificação, limpeza
. Quem não está connosco, está contra nós, é preciso afastar.
. Semelhança com a Santa Inquisição
- Por Matilde e Sousa Falcão: 
. Profecia de mudança
. Purificação, redenção, chama da esperança
. Renascimento, advento
A Saia Verde:
- Em vida: 
. Esperança
. Liberdade - Paris, Revolução Francesa
. Pureza, Inocência - neve branca
- Após a Morte:
. A alegria do reencontro
. A esperança de que a morte do General não seja em vão
. A esperança da mudança
O Preto de Sousa Falcão:
- Luto por si mesmo
- Auto-recriminação por não ter tido a coragem do General
- Se ele partilhava os mesmos ideais que o General, deveria ter dado a cara e lutado com ele
- Arrepende-se da sua cobardia
“Há homens que obrigam todos os outros a reverem-se por dentro”
O Título:
- Por D. Miguel: 
. “Felizmente há luar” para se verem melhor as execuções e para que o medo conseguido seja maior a abranja mais pessoas.
. A Lua: monotonia, falta de liberdade de acção e expressão.
. Tal como a lua, os regimes déspotas só sobrevivem se os mais fortes estiverem controlados. Brilham com a luz dos outros.
- Por Matilde: 
. O luar permite que mais gente veja a fogueira, mais gente vença o medo, mais gente se revolte e se una para mudar.
. O luar aumenta a amplitude da purificação. Mais irão percorrer em direcção à luz, à liberdade, ao conhecimento, à justiça, à democracia.
Relação entre a carga dramática de Matilde, o tempo da história e o tempo da escrita: 
Escrito no século XX, em pleno auge do regime ditatorial de Salazar, e remetido para o século XIX, em pleno regime déspota, Felizmente há luar mostra-nos, claramente a censura e a falta de liberdade de acção, pensamento e expressão que se viveu nestes dois tempos. 
Matilde aparece como a força do segundo acto, carregada de emoção, provocando o clímax da história. É ela quem denuncia e quem se revolta contra o movimento castrador que se desenvolvia por todo o país, quem ousa enfrentar o poder absoluto em prol da liberdade, da mudança e da democracia. Usa frases simples, mas fortalecidas com grande energia, coragem e direcção: “Cortam-se as árvores para não fazerem sombra aos arbustos”. Mostra-nos que toda e qualquer ameaça ao poder conservador e unidireccional era, imediatamente, aniquilado.
Matilde oscila entre dois pólos: num é uma mulher frágil e comovida que luta exclusivamente pelo marido inocente, vítima dos interesses mais altos do reino; noutro é a mulher forte e destemida que grita as condições do povo, a podridão das relações da igreja, a falta de índole da nobreza e a ignorância do povo. No entanto, em ambos os casos é uma lutadora, ávida por justiça, que acorda o público/sociedade para a lástima de pessoas que governavam em Portugal. As crises são cíclicas. Foi no século XIX, foi no século XX e foi em muitas outras ocasiões anteriores porque o Homem é assim: não aprende.

Fonte: NotaPositiva.com

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