quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Halloween - brincar às bruxinhas



O Halloween é uma festa  celebrada  no dia 31 de Outubro, véspera do dia de Todos os Santos. Realiza-se na maior parte dos países ocidentais, porém é mais representativa nos  Estados Unidos. Trazida pelos imigrantes irlandeses em meados do século XIX.

A história do Halloween  tem mais de 2500 anos. Surgiu entre o povo celta, que acreditava que no último dia do Verão (31 de Outubro), os espíritos saíam dos cemitérios para tomar posse dos corpos dos vivos. Para assustar estes fantasmas, os  celtas colocavam, nas casas, objectos assustadores como, por exemplo, caveiras, ossos decorados, abóboras enfeitadas...
Por se tratar de uma festa pagã, foi condenada na Europa durante a Idade Média, quando passou a ser chamada de Dia das Bruxas. Quem comemorava esta data era perseguido e condenado à fogueira pela Inquisição.
Com o objectivo de diminuir as influências pagãs na Europa Medieval, a Igreja cristianizou a festa, criando o Dia de Finados (2 de Novembro).

Esta festa, por estar relacionada com a morte, resgata elementos e figuras assustadoras,  símbolos comuns desta festa: fantasmas, bruxas, zombis, caveiras, monstros, gatos negros e até personagens como o Drácula e Frankenstein.
As crianças adoram esta festa. Com a ajuda dos pais, usam fantasias assustadoras e vão de porta em porta, dizendo a frase “doçura ou travessura"”. Assim, esta noite do 31 de Outubro termina com sacos cheios de guloseimas: bombons, chocolates, rebuçados e outros doces.













Exposição de espantalhos





Era uma vez um espantalho que decidiu meter-se na vida dos outros... Não lhe chegava a sua! É sempre muito mau quando a nossa vida não nos chega e temos que nos meter em seara alheia, que é como quem diz, na vida dos outros. 
O nosso espantalho decidiu primeiro mudar de nome, assim era mais fácil imiscuir-se sem, pensava ele, dar nas vistas e tratou de tecer um plano ardiloso, daqueles de filmes de quinta categoria... 
Não se sabe ainda se o nosso amigo espantalho vai levar a dele a melhor... Talvez seja melhor deixá-lo pensar que sim... Depois se verá como acaba a história... 
O engraçado é que não há história nenhuma, foi tudo uma meada muito bem urdida na cabeça oca... Bem, oca, também não é bem assim! É mais cabeça de palha, o que acaba por dar no mesmo, do nosso estafermo... 
Somos todos marionetas, presas por fios, e os deuses lá de cima manobram-nos a seu bel-prazer... Segundo a lenda, é, mais precisamente, Saturno que se diverte à brava connosco... e baixa um fio e vai um tropeção e baixa o outro e esborrachamo-nos contra um muro, contra outra marioneta, contra o mundo... e puxa-nos um fio e parece que voamos... e corta-nos o fio e vamos desta para melhor ou para pior, depois veremos! 
É que, segundo consta, o destino está traçado há muito e o Fado não pode ser mudado! E é, conforme se cria, muito mais forte que os deuses e, claro está, que os espantalhos da vida que querem dar uma ajudinha e auxiliar na tecedura da trama que é a vida de cada um...























segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Das férias













domingo, 28 de outubro de 2012

O que NÃO acontece numa escola pública


O Lóbi do ensino privado é poderosíssimo (na razão da dupla influência política e empresarial). Querem fazer crer aos distraídos e aos ignorantes que um aluno numa escola pública fica bem mais caro que um aluno num colégio com contrato de associação. Os donos, administradores, gestores e consultores dos grupos privados da educação não estão milionários por acaso... Recebendo 85 000 euros por turma, uma grande fatia deste montante segue, directamente, para os bolsos destes senhores (que se movimentam à-vontade nos corredores do poder neoliberal ou do pseudo-socialista). 

Assim, de repente, apetece-me deixar aqui uma listagem daquilo que NÃO acontece numa escola pública.

Numa Escola Pública:

1. O director, adjuntos e acessores NÃO ganham mais de 5 000 euros por mês;
2. Os professores NÃO assinam cartas de despedimento, sem data, no momento em que assinam o contrato;
3. Os professores NÃO passam cheques à entidade patronal, no mesmo montante e no mesmo momento em que lhes são pagos os seus subsídios de Natal e de férias;
4. Os professores NÃO assinam declarações em como aceitam trabalhar mais horas por semana, sem a devida compensação financeira;
5. Os professores NÃO trabalham na secretaria das suas escolas;
6. Os professores NÃO são obrigados a controlar os seus alunos durante a hora de almoço;
7. Os professores NÃO são forçados a deslocarem-se à sua Escola fora do seu horário lectivo e semanal, muito menos aos fins-de-semana;
8. Os professores NÃO participam em actividades desportivas, por vezes, longe de casa, a não ser por sua livre iniciativa e manifesta disponibilidade;
9. Os professores NÃO constroem carros alegóricos, nem participam em desfiles carnavalescos;
10. Os professores NÃO são obrigados a marcarem presença em almoços, jantares ou em outros convívios, realizados na Escola ou noutro local;
11. Os professores NÃO são forçados a trocarem de Escola para não ficarem com vínculo à entidade patronal;
12. Os professores NÃO são aliciados para comprarem apartamentos pertencentes ao grupo económico que administra o seu estabelecimento de ensino;
13. Os alunos com Necessidades Educativas Especiais NÃO são encaminhados para outros estabelecimentos de ensino;
14. NÃO são os alunos com dificuldades de aprendizagem, ou que apresentam classificações negativas, que são retirados da Escola, quando a Direcção Regional não permite a abertura de mais turmas do que aquilo que ficou estipulado;
15. Os alunos NÃO são dispensados da frequência das aulas de algumas disciplinas, constantes do currículo obrigatório, para poderem frequentar uma Academia de um desporto de elites;
16. Os encarregados de educação NÃO são manipulados de forma a NÃO perceberem a realidade do sistema educativo e as verdadeiras razões que estão na origem das mudanças do montante financiado;
17. Os encarregados de educação NÃO deixam de estar representados no Conselho Geral e no Conselho Pedagógico.

Como sempre me agradou o número 17, fico por aqui... Quem quiser, que continue a listagem. As pessoas atentas, sérias, honestas, competentes e... livres agradecem.


Portugal está entregue à bicharada!


Os que querem acabar com a educação pública gratuita são os mesmos que andaram nas melhores e mais caras escolas privadas.


PORTUGAL ESTÁ ENTREGUE À BICHARADA. A um grupo de pessoas que acha que os portugueses são cifras. Excedentários, gastadores, abusadores. Gente que tem de uma vez por todas de aprender o seu lugar, e este lugar é o da pobreza e da diminuição de direitos. 



Esta bicharada que assim pensa nunca teve o menor contacto com a realidade que descreve. As pessoas que querem acabar com a educação pública gratuita são as mesmas que andaram nas melhores e mais caras escolas privadas e nunca pisaram o chão de uma escola secundária no subúrbio. 
Tomemos um desses senhoritos dos mestrados de luxo. Andou desde pequeno num colégio particular (são bons, são caros) e passou para uma universidade ou business school internacional onde foi sustentado pelos pais. Depois de uma 'brilhante' carreira lá fora e tendo escrito meia dúzia de redações sobre o pensa–mento económico contemporâneo, o que lhe dá garantias de manter o seu estatuto e estilo de vida, sem nunca ter publicado um livro ou feito um trabalho de relevo, o pupilo reentra na pátria onde a posição paterna, o nome de família ou os conhecimentos da praxe lhe reservam um lugar quente no topo da classificação social portuguesa. 
Aqui chegado, o pupilo descobre que os salários das melhores empresas nacionais estão ao nível dos melhores salários internacionais, e que sem grande esforço conseguirá uns bons milhares de euros por mês, viagens, cartão de crédito e regalias como a reforma breve ou um substancial pé de meia, mais as bonificações e adjacências. Para quê gastar os neurónios a competir com asiáticos trabalhadores ou americanos sobredotados, quando pode levantar-se às nove da matina e jogar golfe ao sol? Talvez compre um barco. 
O pupilo descobre como é bom viver em Portugal. Com sorte, convidam-no a dar aulas numa universidade privada, secção negócios. Pá, fizeste o mestrado, não custa nada, ficas com currículo e mais um salário.
Um amigo aconselha-o a conhecer melhor umas pessoas da política Pá este partido mais cedo ou mais tarde vai para o poder, podes continuar independente mas convém ter contactos, sabes como é, em Portugal ninguém se safa sem os partidos. És de direita, não és? Vamos correr com a esquerda não tarda nada e aí acaba-se a mama dos gajos. Começamos nós a mandar. 
O nosso pupilo pertence àquela escola e corrente de pensamento, muito em voga nas business schools, que emite sentenças como esta: só é pobre quem quer. Não se trata de escolher entre monetaristas e keynesianos, entre neoliberais e sociais-democratas, entre Adam Smith e Marx, que ele, aliás, nunca leu nem tenciona ler. Mesmo o Keynes... Nada daquilo faz senti–do hoje. O último livro que leu foi sobre Wall Street, um dos milhares de livros sobre Wall Street e o crash e o subprime, feitos em cima da hora e alguns em cima do joelho, para contar como foi e dizer como vai ser, embora nenhum desses génios do momento e teólogos da libertação se tenha lembrado de os escrever antes do estoiro. A indústria dos escribas de Wall Street é igual a Wall Street. Show me the money.
O pupilo gosta de ler aquelas coisas, lendas do poder e do dinheiro, in english. É bilingue. Seria trilingue não fosse o seu ódio ao estudo de livros com letras em vez de números lá dentro. Sempre foi melhor a aritmética. A estatística e o cálculo são o seu forte, vastos terrenos de numéricas imponderabilidades onde as pessoas foram reduzidas a quadrículas onde têm tendência a não caber. Há pessoas a mais em Portugal. Demasiados chulos do Estado. O país tem de ser limpo, correr com eles, instalar um sistema de livre mercado e livre competição, cada um por si e ninguém por todos. 
Pessoas como ele, o produto forte da livre concorrência. 
De contacto em contacto, o nosso pupilo entra no partido e o partido ganha as eleições. O nosso pupilo é, agora, um "político" e entusiasma-se. Nutre o desejo fundo de refundar a pátria. Expurgá-la. Pá, isto não dá muito em dinheiro mas quando saíres estás garantido. Tens currículo. É uma oportunidade histórica para mudar isto de vez, o vento sopra a nosso favor, os socialistas estão mortos, vamos ficar 20 anos no poder. Portugal é nosso. Nosso e dos angolanos, ah ah ah. 
Aceita. E de imediato começa a consulta. Por ele, é cortar a direito. Sobretudo nos serviços que nunca usou. Nunca foi a um hospital público. Os privados são muito melhores. Privatizar e vender. Correios, águas, energia, lixo, transportes, etc. Quem não puder pagar as tarifas que se amanhe. Ele pode. Quer e manda. A crise tem destas coisas: uma oportunidade de fazer um país como ele gosta. Para ricos. Para os amigos dele. Que não são tansos. 
Caramba, a história do BPN é medonha. Só os portugueses é que comem e calam assim, bando de parvos. E mal-agradecidos. Portugal é um oásis.


CLARA FERREIRA ALVES
Expresso, Revista, 27-10-2012 

sábado, 27 de outubro de 2012

O ACORDO ORTOGRÁFICO E A CONSTITUIÇÃO


Inconstitucionalidades das normas do Acordo Ortográfico, bem como das Resoluções da Assembleia da República, do Governo e dos órgãos regionais que o implementam (síntese)
SUMÁRIO
Neste artigo de síntese, expomos as conclusões de um trabalho que versa sobre a detecção dos problemas jurídicos relacionados com o “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa”: as questões prévias pertinentes, relacionadas sobretudo com Direito Internacional Público; as inconstitucionalidades orgânicas e formais das normas constantes da Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, um regulamento independente emitido “a descoberto”, que não só invade a reserva de competência da Assembleia da República, mas também carece da forma, constitucionalmente exigida, de decreto regulamentar; a violação do património cultural imaterial da língua portuguesa; as várias questões atinentes à ortografia plasmada na versão oficial da Constituição instrumental portuguesa; as restantes inconstitucionalidades materiais das normas consagradas no Acordo Ortográfico, no artigo 2.º, n.º 2, da Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008 e na Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011; as consequências das inconstitucionalidades mencionadas, designadamente o direito de resistência que os particulares têm, de desobediência às normas do Acordo Ortográfico e dos actos de Direito interno aludidos; o demérito do Acordo Ortográfico.
Questões prévias de Direito Internacional Público
O n.º 1 do 2.º Protocolo modificativo ao Acordo Ortográfico, assinado em 2004, que deu nova redacção ao artigo 3.º do AO, que determinou o modo de entrada em vigor apenas com as ratificações de 3 Estados, substituindo a regra da unanimidade, é ilegítimo no plano do Direito Internacional, por falta de causa.
Com feito, uma contradição teleológica entre o objectivo proposto pelo Acordo Ortográfico – “um passo importante para a defesa da unidade essencial da língua portuguesa” (1.º parágrafo do Preâmbulo, reiterado no 4.º parágrafo do 2.º Protocolo Adicional), conforme consta do próprio título (“Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa”) e da exigência de um “vocabulário ortográfico comum” (artigo 2.º do AO) -, não são atingidos, se bastassem as ratificações de 3 Estados de língua oficial portuguesa, no total do universo de 8.
Todavia, esse vício de falta de causa é ininvocável por parte de Portugal, uma vez que ratificou a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de 1969 (cfr. artigo 42.º).
Julga-se haver também uma fundamentação incongruente no Preâmbulo do 2.º Protocolo modificativo.
A inexistência de um vocabulário ortográfico comum não preclude a vigência da totalidade das normas do Acordo. Todavia, algumas das disposições do AO não têm precisão suficiente, a ponto de delas não se poder extrair uma norma (por exemplo, alguns casos das “facultatividades”, constantes da Base IV, n.º 1, que remetem para o “critério da pronúncia”).
O “vocabulário ortográfico comum”, nos termos dos Direito dos Tratados, não serve, de todo, para alterar o Acordo Ortográfico, “acomodando” as diversidades linguísticas dos vários países (diversamente da pretensão formulada por alguns Estados e constante do ponto III.5 do “Resolução sobre o Plano de A[c]ção de Brasília”, de 2010).
O prazo de transição de seis anos, previsto no artigo 2.º, n.º 2, da Resolução n.º 35/2008, da Assembleia da República, de 29 de Julho, e Decreto do Presidente da República n.º 52/2008, da mesma data (que procederam à ratificação do 2.º Protocolo), constitui, materialmente, uma reserva ao Tratado, ultrapassando a qualificação de uma mera “declaração interpretativa”.
O prazo de transição não serve juridicamente para promover alterações ao tratado, “a posteriori”, à margem de um novo acordo solene entre os Estados.
O Governo fez o depósito da ratificação em 13 de Maio de 2009, tendo, todavia, o aviso de tal ratificação sido publicado em 17 de Setembro de 2010 (através do Aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros n.º 255/2010). Deste modo, o início do prazo de transição começou aquando da publicação referida, de 2010.
O prazo de transição terminará somente em 17 de Setembro de 2016, e não no ano de 2015, diversamente do que tem sido veiculado.
O desrespeito pelo AO – ficcionando que seria válido – tem uma dimensão que, em teoria, poderá ser expressa em sanções, designadamente disciplinares.
 1. Vícios formais e orgânicos
O n.º 1 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, de 25 de Janeiro (que determinou a antecipação parcial do prazo de transição, mandando aplicar o Acordo Ortográfico à Administração Pública directa, indirecta e autónoma), é organicamente inconstitucional, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, pois regulamenta, a título principal, direitos, liberdades e garantias.
A invocação da base habilitante do artigo 199.º, alínea g), não procede.
A mesma norma padece de inconstitucionalidade formal a duplo título: por violação da reserva de lei parlamentar (artigo 165.º, n.º 1, alínea b)) e por carência da forma de decreto regulamentar, constitucionalmente exigida para os regulamentos independentes (artigo 112.º, n.º 6).
O âmbito de aplicação da Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, mesmo que fosse válida, não poderia abranger outros órgãos, como a Assembleia da República, o Presidente da República e os tribunais.
Mesmo se fosse um regulamento válido, a Resolução n.º 8/2011 não poderia ser aplicada a órgãos exercendo outras funções jurídicas do Estado diversas da administrativa; havendo, pois, inconstitucionalidade orgânica e material, por usurpação de poderes, e também formal, da norma do n.º 2 da Resolução do Conselho de Ministros (bem como do n.º 1 da Resolução do Conselho do Governo Regional dos Açores n.º 83/2011, de 6 de Junho, na parte em que se refere aos decretos legislativos regionais e demais actos não incluídos na função administrativa, publicados no Jornal Oficial da Região Autónoma dos Açores). O desvalor jurídico associado é o da inexistência jurídica.
Salvo em relação ao artigo 119.º, n.º 1, alínea h), 1.ª parte, da Constituição, a antecipação do fim do prazo de transição, nos termos em que foi realizada, por uma Resolução do Governo, aprovada em Conselho de Ministros, é inconstitucional a título orgânico, formal (devido ao acto não assumir a forma devida) e material (por violar o princípio da separação de poderes).
Regista-se inconstitucionalidade orgânica e formal dos números 3 e 4 da Resolução do Conselho de Ministros, pois regulamentam aspectos principais que são objecto da reserva de competência da Assembleia da República (artigo 165.º, n.º 1, alínea b)): os manuais escolares, que cabem na liberdade de divulgação de obra científica, artística ou literária (artigo 42.º, n.º 2), bem como na liberdade académica (artigo 43.º, n.º 1).
O número 7 é organicamente inconstitucional, por regulamentar o direito à língua, a liberdade de expressão, em particular, a liberdade de divulgação de obra científica, artística ou literária (artigo 42.º, n.º 2).
Todos os diplomas, que se basearem na Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, padecem de inconstitucionalidade consequente; designadamente os seguintes:
 i) Actos da função legislativa, emitidos pela Assembleia da República, decretos-leis, emitidos pelo Governo, ou decretos legislativos regionais, emitidos pelas Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas;
ii) Actos da função política, emitidos pelo Presidente da República; Resoluções emitidas pela Assembleia da República ou pelas Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas; restantes actos de outros órgãos;
iii) Actos da função jurisdicional, emitidos pelos tribunais.
 2. A violação do património cultural imaterial que é a língua portuguesa
 O AO viola aspectos nevrálgicos da língua portuguesa, enquanto pertença ao património cultural.
O Acordo oblitera as raízes greco-latinas da língua portuguesa.
As “facultatividades” representam a destruição do conceito de ortografia.
Existe a violação do dever estatal de defesa do património cultural (artigo 78.º, n.º 2, alínea c)) e do direito ao património cultural.
Há uma tentativa de usurpação do papel da lei positiva em relação ao costume e à tradição linguística existente do português europeu.
O valor da estabilidade ortográfica é violado.
Detecta-se também inconstitucionalidade material, devido à violação da garantia institucional da neutralidade ideológica e consequente proibição do dirigismo estatal da cultura (artigo 43.º, n.º 2), uma vez que o Acordo Ortográfico é puramente político, não sendo baseado na ciência linguística nem em pareceres técnicos.
O Acordo Ortográfico consiste num autêntico plano totalitário de unificação aparente, expressando um fenómeno de “democracia totalitária” por parte do Estado “abafante” relativamente à sociedade civil.
 3. A ortografia na Constituição
3.1. A ortografia da Constituição instrumental não pode ser alterada através de actos infraconstitucionais
 Uma das consequências de a Constituição instrumental ser rígida é a impossibilidade de proceder a alterações através de textos com valor infraconstitucional (legislativos ou outros).
Uma correcção ortográfica da Constituição, segundo o Acordo Ortográfico de 1990, é inadmissível sob o ponto de vista da hierarquia de fontes.
 Quanto a precedentes históricos, entre 1911 e 1912, não houve uma única edição que revisse tacitamente a Constituição instrumental.
A partir de 1913 até à Revolução de Dezembro de 1917 e na segunda vigência da Constituição, de forma ininterrupta, ocorreu a revisão tácita da Constituição instrumental de 1911, tendo sido cimentada através da utilização da nova ortografia nas leis de revisão constitucional.
No caso da revisão de 1945, a revisão tácita da Constituição só aconteceu, de forma consistente e ininterrupta, a partir de 1952, cerca de quase 7 anos após a publicação da Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de 1945.
Quanto à mini-reforma ortográfica de 1973, oficialmente, não houve revisão tácita da Constituição.
Os precedentes históricos não são totalmente significativos e, por conseguinte, decisivos para a actual conformação dogmática da ortografia na Constituição de 1976.
 A linguagem escrita e a ortografia nela contida devem ser objecto de valorização. A língua escrita não é apenas um sistema simbólico de segunda ordem: a literacia acarreta uma mudança radical na estrutura das comunidades. Sem literacia, não há Estado, não há civilização, não há nação, não há filosofia, não há ciência e não há memória social e cultural de longo prazo: sem escrita, não haveria religiões do Livro, nem haveria discurso científico e filosófico.
A ortografia permite codificar, sistematizar e estabilizar a língua escrita padrão de uma sociedade complexa; a ortografia é parte integrante da língua.
Sem ortografia, não há continuidade cultural intergeracional estável.
 As disposições da Constituição instrumental são intocáveis; só podendo ser alteradas licitamente mediante o exercício do poder de revisão constitucional.
Não são apenas as “normas”, no sentido tradicionalmente entendido, que vinculam — também os preceitos constitucionais devem ser tidos como intangíveis.
O artigo 2.º, n.º 2, da Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, que determina que quaisquer reedições terão de ser feitas segundo o Acordo Ortográfico, é orgânica e materialmente inconstitucional, pois se refere, também, à Constituição instrumental.
O texto oficial que faz fé é o aprovado em 2 de Abril de 1976, com alterações posteriores.
Deve distinguir-se entre “força da Constituição” e “força normativa da Constituição”.
As teorias múltiplas e díspares sobre o que seja a “Constituição material” devem ser rejeitadas. Não existe um critério “ratione materiae” para determinar os conteúdos de uma Constituição, mas apenas critérios tendenciais (e, por conseguinte, desprovidos de universalidade).
A Constituição moderna é definida, sobretudo, através da forma e, apenas tendencialmente, pelo conteúdo, de regular o Estado-poder.
 3.2. A inconstitucionalidade resultante de desconformidades ortográficas com a Constituição instrumental
 No pressuposto do princípio jurídico de a variante consagrada pela Constituição Portuguesa ser a do português de Portugal, temos mais inconstitucionalidades de carácter formal e material.
No caso de a Constituição grafar uma expressão com certa ortografia, existe inconstitucionalidade formal a duplo título.
 3.3. As posições jusfundamentais dos particulares face à ortografia: entre o princípio da liberdade e dever fundamental de não atentar contra o núcleo identitário da língua portuguesa
 Há que ter em conta a previsão do dever fundamental de preservar, defender e valorizar o património cultural (artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte), de que a língua portuguesa faz parte.
A “aplicabilidade directa” dos deveres fundamentais – autónomos ou não autónomos – depende da densidade da norma.
Os deveres fundamentais, sobretudo os que têm uma componente negativa – v. g., o dever de não atentar contra o património cultural – devem ser considerados directamente aplicáveis.
Existe um dever fundamental com uma dupla vertente: i) em sentido negativo, um dever de abstenção da prática de actos lesivos do núcleo identitário da língua portuguesa; ii) um dever positivo de impedir a destruição da mesma.
Várias normas do Acordo Ortográfico desfiguram a língua portuguesa. O expediente das “facultatividades” figura nesse âmbito.
Existe um dever de todos os particulares desobedecerem às normas mais aberrantes do AO, desfiguradoras do núcleo identitário das normas ortográficas costumeiras de língua portuguesa.
 3.4. Ortografia e revisão constitucional
 A Constituição instrumental não pode ser alterada, através de uma lei de revisão constitucional, segundo o Acordo Ortográfico, por atentar contra limites materiais de revisão: o princípio da identidade nacional e cultural; o “direito à língua portuguesa” e o direito à identidade cultural, bem como o princípio da independência nacional (devido às remissões para usos e costumes de outros países, para se apurar quais as normas resultantes de algumas disposições do AO, que remetem para o critério da pronúncia).
Mesmo que esta tese não fosse seguida, uma revisão constitucional que modificasse os preceitos da Constituição, em conformidade com o Acordo Ortográfico, não poderia ter efeito convalidatório das normas inconstitucionais anteriores.
 4. Restantes inconstitucionalidades materiais
 4.1. Inconstitucionalidades materiais das normas constantes do Acordo Ortográfico e das Resoluções da Assembleia da República, do Conselho de Ministros (bem como do n.º 1 da Resolução do Conselho do Governo Regional dos Açores n.º 83/2011, de 6 de Junho; do n.º 1 da Resolução da Assembleia Legislativa Regional dos Açores n.º 7/2012/A, de 24 de Janeiro)
 Quanto a outras inconstitucionalidades materiais, temos:
- a violação da “autorização constitucional expressa”;
- restrições, não credenciadas pela Constituição, ao direito à língua e à liberdade de expressão;
- violação do princípio da identidade nacional;
- violação do princípio da igualdade;
- violação do direito ao desenvolvimento da personalidade;
- violação do dever de o Estado informar os cidadãos sobre os assuntos públicos (artigo 48.º, n.º 2);
- violação da regra da proibição de censura (artigo 37.º, n.º 2);
- violação da liberdade de criação artística e cultural (artigo 42.º, n.º 1); os Autores têm o direito de preservar a sua própria opção ortográfica;
- violação da proibição de dirigismo político na educação (artigo 43.º, n.º 2);
- a liberdade de aprender e de ensinar (artigo 43.º, n.º 1);
- violação das vertentes científica, pedagógica e administrativa da autonomia universitária (cfr. artigo 76.º, n.º 2 da CRP);
- violação o direito ao ensino e à cultura (artigos 73.º e 74.º, n.º 1);
- violação da liberdade de imprensa;
- violação do direito à informação do consumidor.
 4.2. Cumulação dos vícios de inconstitucionalidade e de ilegalidade
 O “Vocabulário de Língua Portuguesa” e o conversor “Lince”, previstos pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, padecem de inconstitucionalidades várias:
 i) Inconstitucionalidade material, por violação do artigo 112.º, n.º 5, 2.ª parte;
ii) Inconstitucionalidade orgânica, por regulamentar direitos liberdades e garantias (cfr. artigo 165.º, n.º 1, alínea b));
iii) Inconstitucionalidade formal, decorrente de o diploma ser uma resolução, não assumindo a forma de lei em sentido formal (lei da AR ou decreto-lei autorizado).
 Concomitantemente, registam-se várias ilegalidades “sui generis” do “Lince” e dos correctores ortográficos, por violação das próprias normas constantes do Acordo Ortográfico.
 5. Consequências das inconstitucionalidades mencionadas
 A Assembleia da República deve repor a normatividade violada, operando um autocontrolo da validade, fazendo aprovar uma resolução que, reconhecendo a inconstitucionalidade das normas contidas no AO e, também, na Resolução parlamentar n.º 35/2008, retire eficácia a essa, autodesvinculando o Estado português.
Devido às inconstitucionalidades mencionadas e ao consequente desvalor da nulidade, existe o poder-dever de desaplicar as normas constantes do Acordo Ortográfico e da Resolução n.º 8/2011 do Conselho de Ministros, por parte de todas as entidades públicas: Legislador, tribunais, bem como órgãos e agentes da Administração Pública.
Não existe dever de obediência por parte dos funcionários públicos, pois a ordem de respeitar o AO (ou, por maioria de razão, o “Lince” e os correctores ortográficos) padece de inconstitucionalidade, por violação de direitos, liberdades e garantias, o que origina o desvalor da nulidade daquele acto. No caso do AO, por todas as razões referidas, a ilegalidade é manifesta. Deste modo, o não acatamento da ordem, nos “casos em que não fosse devida obediência”, é insusceptível de acarretar responsabilidade disciplinar.
Os particulares gozam do direito de resistência (artigo 21.º), do direito de objecção de consciência e do direito genérico de desobediência a normas inconstitucionais.
Mais do que isso, existe um dever de desobediência, por parte dos particulares, em relação às normas mais aberrantes do Acordo Ortográfico, que desfiguram a língua portuguesa.
Até à remoção do AO na ordem jurídica, existem meios de tutela graciosa e contenciosa.
 6. Demérito do Acordo Ortográfico: a violação de regras extra-jurídicas da variante do português de Portugal
 O AO não assenta em nenhum consenso alargado.
O AO não serve o fim a que se destina – a unificação ortográfica da língua portuguesa.
Há múltiplos reparos que podem ser feitos, sob o ponto de vista das formulações.
O AO é um texto cheio de vulnerabilidades no domínio ortográfico.
A aplicação do AO cria palavras homógrafas, fazendo com que palavras distintas sejam confundidas.

Ivo Miguel Barroso