terça-feira, 3 de abril de 2012

Enfim... dezoito anos



Que sabia ela da vida? Que sabia ele da vida? Nada. Não passavam de dois miúdos mimados, com a mania de que já eram crescidinhos, grandes, maiores de idade...
Temos dezoito anos, temos o direito de viver a nossa vida como muito bem entendermos, diziam...
E vão viver do quê? – ouvia já a mãe a perguntar, mais curiosa do que preocupada.
O pai, o pior era o pai! O pai queria sempre tudo muito bem explicadinho... Para ele, ela não saía de casa e ponto final, que coisa é essa de ir viver com um marmanjo qualquer, sem emprego, sem ter completado os estudos...
Os pais do rapaz estão decerto malucos, deixar que dois garotos vivam juntos. Abrir-lhes as portas de casa, do quarto... Mas com que raio de gente te foste meter?
Filha minha não sai por aquela porta sem a minha autorização, gritava a plenos pulmões. Ah, e se saíres por aquela porta, menina, não voltas a entrar, ouviste bem?
Ela encolhia os ombros, como que a dizer, fala, fala, vai falando... Desde que tinha feito os dezoito anos que o ar daquela casa estava pesado, irrespirável, as discussões sucediam-se... Porquê? Não sabia. Andou sempre a dizer que aos dezoito é que era, aos dezoito é que chegava a liberdade, aos dezoito é que se dava o seu 25 de Abril... E os pais sorriam, o pai trocista, a mãe comedida. Agora que chegou a hora de levantar voo, queriam cortar-lhe as asas.
Os pais do rapaz não têm nada a perder, a minha filha é bonita, educada, boa aluna, ganham uma filha como nunca sonharam ter. Claro que gostam de ti, quem não gostaria? E já me perguntaste se eu gosto do matulão com quem namoras, não, pois não? Mas eu respondo, não gosto, não gosto nada do seu nariz empinado, não gosto nada do seu olhar trocista, não gosto nada do seu ar de machão, não gosto nada que dê palpites sobre a vida da minha filha... E tu não dizes nada, manténs-te calada? Fala, grita, esperneia... Que raio de mãe me saíste também! Anda um homem a educar uma filha para isto: vem um gajo qualquer, assobia-lhe e ela corre logo, qual cadelinha amestrada.
Bem, agora já estás a ofender-me, ele não é uma gajo qualquer, é o meu namorado, eu não sou uma cadelinha e ele não me assobiou coisa nenhuma... Tu já viste a tempestade que estás a fazer só por eu querer ser livre e ir viver com o meu namorado...
Muito bem, mantive-me calada e ouvi o que um e outro disseram. Agora chegou a minha vez de falar...
Também, já não era sem tempo! Agora vê lá se ficas do meu lado e pões algum juizinho na cabeça da tua filha.
Amanhã, Sara, amanhã, quero conversar contigo e com o Tomás.
Tenho de esperar até amanhã para saber o que de tão importante tens para nos dizer? Ó mãe, não acredito que ainda vais remoer o assunto esta noite e só amanhã é que conversas connosco. E porque queres falar com ele, ele não é teu filho, não tens nada de conversar com ele.
Olha lá, a miúda tem razão!
Não me chames miúda, tu sabes que eu detesto que me chames miúda, garota, criança...
Pois, já sei que és crescida e responsável, responsável e crescida, muito crescida e muito responsável...
O dia amanheceu cinzento, tão cinzento como a sua alma. Tinha de falar com a Sara e com o Tomás. Não dormiu a noite inteira. Virou-se e revirou-se. Pensou e repensou. A filha era tão teimosa como o pai, e ela sabia-o, oh, se sabia, sabia também que à menor dificuldade, a sua linda Sara correria para debaixo das suas saias... Aliás, tinha a certeza disso, por isso, para quê entrar em conflito, barafustar, gritar, agitar as águas já tão turvas... Mas, lá no fundo, muito lá no fundo, tinha medo... até que ponto o Tomás teria influenciado a filha?
O namorado era um adolescente, grande em tamanho, mas bem imaturo, habituado a ter tudo de mão beijada, a não aceitar qualquer não... Dezoito anos, a idade da emancipação, da independência, da libertação, ouvira-o dizer acaloradamente, a idade em que tudo acontece, não temos de dar satisfações a ninguém, Sara, a ninguém, esperei toda a vida por isto...
Mãe, desembucha, não temos a vida toda.
Pois não, e os dezoito anos esgotam-se, voam, esfumam-se num piscar de olhos, não é? Só tenho duas questões a pôr-vos, depois vão e resolvam a vossa vida.
Olharam-se, a Sara tremeu ligeiramente, pestanejou nervosa. O Tomás, altivo, empinou ainda mais o queixo.
Quero apenas duas respostas sinceras, dos dois, a duas perguntas simples nem vou pôr-vos questões difíceis, essas ficarão para depois: Sara, sais de casa, vais viver com o Tomás e quem paga os teus estudos a partir desse momento ou será que vais desistir do teu curso, de todos os teus sonhos? Quando precisares de roupa, livros e de tudo o resto, pedes a quem ou, melhor, compras com quê? As perguntas são as mesmas para ti, Tomás. Quando estiverem prontos para me darem a resposta, chamem-me, estou na cozinha.
A porta bateu, ouviram-se passos escada acima e à hora do jantar estavam todos à mesa, como sempre estiveram, sorridentes, e a dizer disparates. A tempestade passou. Não se falou mais no assunto!
Como conseguiste? Que lhes disseste?
Nada.


Mena




Este texto é para a Sara, a Marta, a Bruna, a Ana, o Filipe, o Paulo, o Tomás e para todos os jovens que acham que basta fazerem dezoito anos para poderem abrir as asas e voar, voar, voar...

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