domingo, 19 de fevereiro de 2012

Apelo vindo do outro lado do Atlântico



Emocionei-me ao ler este texto, não pude, por isso, deixar de o trazer para aqui! O meu muito obrigada ao seu autor, Pedro Figueira.


Desde quando os debates sobre o acordo ortográfico vieram a público no Brasil, senti-me constrangido com tal mudança. Durante todo o período escolar, esforcei-me para decorar todas as regras de nosso idioma, para agora, sem nenhum motivo, elas serem alteradas. Alterações cuja obrigatoriedade após 2012 deixa-me ainda mais constrangido. Vejo em Portugal, Angola, Moçambique e outras nações que compartilham esta loucura movimentos contrários ao Acordo Ortográfico. Mas tal movimento não existe no Brasil.

Última flor do Lácio, inculta e bela… Espere… Inculta? Camões, Machado de Assis, Eça de Queirós e tantos outros discordariam de Olavo Bilac… Que seja! Que seja inculta, criticada, menosprezada, mas não violada! Como pode um país que supostamente apóia a democracia querer impor sua vontade a outros tantos somente por ter maior número de habitantes? E impor tal vontade maculando o maior patrimônio cultural que eles têm?

Vejo meu idioma ser maculado por conta de meros interesses comerciais. Para que afinal serve essa suposta unificação que nada unifica? Não sou português. Nasci no Brasil e falo o idioma brasileiro. Meu idioma é tão diferente do português quanto do romeno. Não é apenas um sotaque ou um dialeto. Falo outro idioma, com outra estrutura e outras palavras, ainda que tenha nascido diretamente do português. Não falo como um angolano, não moro em Moçambique, não conheço ninguém em Goa tampouco visitei o Timor Leste. Entretanto sei que em cada um desses lugares outras línguas surgiram a partir do português, tanto como este surgiu do latim.

Não creiam, caros amigos de Portugal, que o povo de meu país se importará com o que acontece a um de nossos maiores valores, que é nosso idioma. E há motivos para tanto. Sabiam que 14 milhões dos que aqui vivem são analfabetos? Sim, temos mais analfabetos do que vocês têm habitantes. E três milhões de crianças fora da escola. A elite tratou de emburrecer a população, de privá-la de cultura e de acesso à informação, de controlar as massas através de políticas públicas cujo único objetivo fora criar o que por aqui chamados de currais eleitorais. Por total desconhecimento do valor de sua língua, a população daqui não se manifestará contrária a violentá-la.

Como filósofo, tenho ciência de que o maior instrumento que possuo é este idioma. E tenho ciência também de que ele é o mais perfeito para se fazer Filosofia. Sua estrutura gramatical singular permite transpor os obstáculos encontrados entre a mente e o papel, dando ao escritor a habilidade única de com as mesmas palavras expressar de forma direta e precisa seus conceitos, mantendo ainda a obscuridade da ambigüidade poética que somente é desvelada pela perspicácia de cada leitor.

Por aqui, sigo com minha postura em recusar usar a nova ortografia e por isso, as pessoas me vêem sem circunflexos em seus hiatos, zombando de minha ingenuidade. Ninguém pára para refletir sobre meu lado, pois não têm agudos em suas homógrafas. E se a língua pôde perder esses acentos, por que não pode perder os demais? Não! Minhas idéias continuam com acento e estou disposto a pagar cada trema das conseqüências de minha escolha.

Companheiros de Portugal, rogo-lhes que não ajam como os deste lado do Atlântico. Dêem valor ao idioma português. Lutem por sua preservação. Abracem a língua portuguesa, a mãe de meu idioma, que é o brasileiro. Não deixem que a maltratem tal como feriram a minha. Não permitam que as insanas mudanças que forçaram a população daqui a seguir sejam impostas a vocês também.


Pedro Figueira, (Brasil)

2 comentários:

mfc disse...

Infelizmente vai ser uma batalha perdida... mas eu continuarei na mesma!

Rita disse...

mfc, não digas isso!

Bj