quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Fernando Pessoa - Tudo que faço ou medito

"Tudo o que faço ou medito"

Tudo o que faço ou medito
Fica sempre pela metade,
Querendo, quero o infinito.
Fazendo, nada é verdade.

Que nojo de mim me fica
Ao olhar para o que faço!
Minha alma é lúcida e rica,
E eu sou um mar de sargaço ---

Um mar onde bóiam lentos
Fragmentos de um mar de alem...
Vontades ou pensamentos?
Não o sei e sei-o bem.

Fernando Pessoa

O tema deste poema é a dor que resulta da distância imensa entre o que se quer - o Tudo, o Infinito - e o que se realiza - o Nada, o aquém do sonho.
A frustração que domina o sujeito poético decorre da sua incapacidade de atingir a plenitude. Tudo o que faz, tudo o que toca - "Tudo que faço ou medito" - fica sempre aquém do completo - "Fica sempre na metade". O sentimento de frustração é ainda intensificado pelo desfasamento entre o querer e o fazer. Na verdade, o sujeito poético deseja "o infinito", mas não vai além do "nada".
A frustração, a incapacidade de "fazer", leva à náusea, ao nojo de si próprio.
O sujeito poético caracteriza essa repulsa que sente por si mesmo através da metáfora do mar de sargaço - "E eu sou um mar de sargaço" -, ou seja um ser em labirinto, enrodilhado, que se trava a si próprio, que não avança, incapaz de viver. A metáfora, iniciada no último verso da segunda quadra, continua nos dois primeiros versos da última estrofe: esse "mar onde bóiam lentos / Fragmentos de um mar de além..." representa a incapacidade de passar à prática os projectos delineados a nível do pensamento.
A nível sintáctico, a indefinição do sujeito lírico revela-se nas repetições ("Querendo, quero", "Não o sei e sei-o bem"), na frase reticente - v. 10 - e na pergunta de retórica (v.11).
Semanticamente, o emprego de vocabulário de conotação negativa - "metade", "nada", "nojo", "fragmentos" - e a metáfora do mar de sargaço sublinham a dúvida que domina o sujeito poético.
A náusea e o tédio existenciais, bem como a incapacidade para a concretização, constituem um dos vectores temáticos da poesia do ortónimo, dominado pela indecisão e pela melancolia. Poemas como "Náusea. Vontade de nada ." ou "A aranha do meu destino" revelam a dor desse sujeito lírico que afirma ser "...uma vida baloiçada / Na consciência de existir".
Por outro lado, a oposição sentir (fazer) / pensar também está presente no poema, quando o sujeito poético afirma que "Fazendo, nada é verdade", o que aproxima este texto de, por exemplo, "Tenho tanto sentimento".
Também a temática da fragmentação do "eu" - "Fragmentos de um mar de além..." - aproxima este poema de textos como "Não sei quantas almas tenho".
Formalmente, o poema integra-se nas características da poesia do ortónimo: uso da quadra, do verso de redondilha maior, repetições, jogo de palavras, rima cruzada e uma leve musicalidade.



Aqui está um teste que podes tentar fazer!

2 comentários:

Anónimo disse...

Texto bem escrito, ajudou-me imenso na análise deste poema. Mas tire a cara daquela mulher do blog,ela é feia.
Cumps*

Anónimo disse...

Gostei muito deste artigo, ajudou-me bastante a fazer a análise deste poema. Muito obrigada e continue com o bom trabalho :)