terça-feira, 26 de julho de 2011

A mulher em Cesário Verde


Deambulando pela cidade e pelo campo, os dois espaços que o acolheram, o poeta encontra dois tipos de mulher, que estão articulados com os locais em que se movimentam.
Assim, tal como a cidade se associa à fatalidade, à morte, à destruição, à falsidade, também a mulher citadina nos é apresentada como frígida, frívola, calculista, madura, destrutiva, dominadora, sem sentimentos.
O erotismo da mulher da cidade é expresso em imagens antitéticas que permitem opô-la à mulher campesina, capaz de fazer despoletar um amor puro e desconfiado. O erotismo da mulher fatal é humilhante, conseguindo reduzir o amante à condição de presa fácil, originando uma reacção sado-masoquista entre a mulher, que personifica o artificialismo da cidade, e a sua vítima.
Em contraste com esta mulher predadora, surge um tipo feminino, por exemplo em "A Débil", que é o oposto complementar das esplêndidas, frígidas, aristocráticas, presentes em poemas como "Deslumbramentos" e "Vaidosa". Essa mulher frágil, terna, ingénua, despretensiosa, mesmo que enquadrada na cidade, como é o caso da que é retratada em "A Débil", desperta no poeta o desejo de protegê-la e de estimá-la, mas não o de se prostrar a seus pés, porque esta não se compraz em devorar a sua presa; os seus actos são ingénuos e o seu despretensiosismo só poderá relacionar-se com a mulher do campo, capaz de ofertar o amor e a vida inerentes aos espaços rurais.
Assim, tendo em conta o que foi dito atrás, há mais duas dicotomias em Cesário: a mulher fatal/a mulher angélica (associadas à cidade e ao campo respectivamente) e a estas a morte/a vida, dualidades que parecem percorrer toda a obra de Cesário Verde e que, segundo Hélder Macedo, são a raiz estruturante de toda a obra, e que, para Margarida Mendes, pode ser "vista como uma série de dualidades imbricadas umas nas outras e derivadas da fundamental oposição cidade/campo: do lado da cidade, a humilhação sexual, a noite, o confinamento, a morte, a doença, o presente; do lado do campo, a libertação amorosa, a saúde, a vida, o passado infantil. Em "Nós" essa dualidade estender-se-ia à oposição sociedades industriais/sociedades rurais e também proprietários/trabalhadores".

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