quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Nas férias: Uma história com flores

Olá!
Estamos de volta. Já estávamos com saudades deste tempo incerto, depois de ter "torrado" com o calor que fazia lá para baixo. Depois vos conto...
Agora, para relaxar um pouco, vou contar-vos uma história.

Andava a arrumar papéis e livros. Muitos livros e papéis têm os professores para arrumar nesta altura do ano e o pior é que se mantêm no seu lugar, nas estantes, arrumadinhos, por tão pouco tempo! Mas, estava a dizer que estava a arrumar papéis, papéis e mais papéis… quando reparei num texto, escrito pelo meu filho há pelo menos nove anos (ele frequentava ainda o 6.º ano de escolaridade), fruto de um trabalho de casa, pedido pela professora M. M. S., a propósito da leitura/análise do conto de Sophia de Mello Breyner, O Rapaz de Bronze. O texto é uma história, protagonizada por flores. Depois de uma leitura atenta do referido texto, decidi, partilhá-lo convosco.
Aqui vos deixo, então, uma história com flores, escrita por uma criança de onze anos.


Era uma vez um gladíolo vermelho, cor da paixão, que já estava cansado de estar naquele jardim, sempre no mesmo sítio, sempre à espera de ser colhido para enfeitar uma sala qualquer.
- Não vou esperar mais! – pensou o Gladíolo.
Compôs as lindas pétalas das suas flores dispostas em espiga e decidiu partir.
Afinal, ele não conhecia nada, nem ninguém. Só aquele jardim, de onde nunca saíra: via sempre as mesmas flores, as mesmas plantas, o mesmo lago, os mesmos pássaros…
- Já é tempo de conhecer o mundo!
E lá foi ele, muito feliz, a saltitar pé ante pé.
Era bom que ninguém desse por isso!
Ele queria sair dali sem deixar saudades, sem se despedir de ninguém, nem da sua amiga Orquídea.
O Gladíolo aproveitou a hora em que estavam todos a dormir para sair. Ele não queria dizer onde ia, com quem ia, por onde ia… nada!
- Afinal, ninguém tem nada a ver com a minha vida. Eu sou muito importante e não tenho de dar satisfações a ninguém – pensava o Gladíolo, enquanto se dirigia para o grande portão verde do jardim.
Mas, havia um problema! Como passar o portão sem que as suas guardiãs o vissem?
As Heras, plantas trepadeiras de folhas brilhantes em forma de coração, guardavam e cuidavam daquele jardim. Elas trepavam, arrastavam-se e rastejavam por todo o lado: pelos muros, pelo chão, em redor das árvores; enleavam-se nas outras plantas e flores, não as deixando fugir, nem afastar dali; conheciam todas as flores, plantas e árvores; atiravam os seus longos braços e apanhavam e expulsavam todos os intrusos que, sorrateiramente, queriam entrar ali sem autorização.
Também ele iria ter dificuldade em passar por elas sem ser visto, sem ser alvo de um longo interrogatório.
- Vai ser difícil passar pelas heras! – dizia o Gladíolo, pensando alto.
E continuava a matutar, a cismar, tinha de arranjar uma boa desculpa para poder sair sem ser confrontado com perguntas a que não queria responder.
- Poderei dizer-lhes que vou visitar alguém da família, talvez elas acreditem e não façam mais perguntas. De todo o modo, tenho de tentar! Não posso deixar morrer o meu sonho!
Então, encheu-se de coragem e avançou os poucos metros que lhe faltavam para alcançar o lindo portão verde, guardado pelas velhas heras matreiras que rondavam aquela área, não deixando ninguém aproximar-se.
- Alto aí! Quem vem lá? – perguntaram as Heras em coro.
O Gladíolo manteve-se calado por instantes e pensou:
- Já é noite cerrada, talvez elas não me reconheçam e eu passe despercebido.
Mas logo, as suas vozes grossas e pausadas se fizeram ouvir como um longo eco:
- Pára! Não podes sair sem autorização. Aproxima-te devagar.
- Chamem os Pirilampos, chamem os Pirilampos – gritaram, seguidamente, cheias de autoridade.
Os Pirilampos, pequenos insectos que imitem luz na escuridão, eram os lampiões do jardim. Eles circulavam por todo o lado, iluminando cada recanto e estavam sempre às ordens das Heras para as ajudarem a reconhecer os intrusos que queriam penetrar naquele recinto florido e todos os que pretendiam sair sem licença.
Mal ouviram o chamado das Heras, os Pirilampos apareceram, vindos de todos os cantos do jardim como uma chuva de pequenas luzinhas.
O Gladíolo, de repente, viu-se rodeado de mil pequenos focos de luz que o iluminavam de alto a baixo.
As Heras cercaram logo o Gladíolo, agarraram-no e começaram todas, ao mesmo tempo, a fazer-lhe perguntas:
- Para onde vais?
- Porque saíste do teu lugar?
- Queres deixar o jardim que é o teu lar?
- Vais abandonar todos os teus amigos?
O Gladíolo já estava tonto com tantas perguntas, mas o pior era não saber o que responder a cada uma delas. Começou por balbuciar a medo que pretendia somente visitar uma tia que estava gravemente doente. A sua voz tremia tanto que nem a si próprio conseguia convencer.
A hera mais velha ergueu-se do meio das outras, com um ar muito autoritário, porque tinha mais de cem anos e era ela quem passava as licenças de saída a todas as flores, plantas e árvores do jardim e disse:
- Não deu entrada no meu gabinete qualquer pedido de saída em seu nome, senhor Gladíolo. E como o senhor sabe sem a devida permissão, assinada e carimbada por mim, não pode sair.
O Gladíolo tentava ensaiar uma boa desculpa, mas não conseguia lembrar-se de nada que fosse bastante convincente e que não deixasse qualquer dúvida na mente daquela hera teimosa e mandona. Sabia apenas que queria sair dali, que tinha de realizar o seu belo e agora longínquo sonho. Que fazer? Que dizer? Ele não tinha qualquer ideia… Só sabia que queria conhecer o mundo, conhecer outras plantas, outras árvores, outras flores, outros lagos, outros pássaros, outros insectos, outros jardins… Lá no fundo do seu coração, ele sabia que ia ser difícil convencer as Heras de que saía apenas por pouco tempo, que seria apenas uma visitinha rápida a um familiar enfermo.
- Tenho de tentar – pensou ele. – Não tenho nada a perder!
- Senhora Hera, eu sei que é de lei pedir autorização para sair do jardim, mas as Abelhas trouxeram até mim uma triste notícia e eu não tive nem tenho tempo para pedir a licença que me permitirá sair do jardim. – disse o Gladíolo, muito convincente e senhor de si.
As Abelhas eram as mensageiras das flores: elas traziam e levavam as mensagens; segredavam aos ouvidos das flores todas as novidades que ouviam nos outros jardins; comunicavam notícias boas e notícias más. As flores adoravam as abelhas e esperavam sempre ansiosamente a sua chegada, porque estas, além de serem excelentes mensageiras, também lhes limpavam o pólen, aquele pó amarelo, que lhes sujam as suas lindas pétalas. Assim, com as Abelhas como amigas, elas estavam sempre bem informadas e mantinham limpas e belas as suas lindas pétalas coloridas.
- Ah! Então a culpa é das Abelhas! – exclamou a Hera mais velha.
- Que triste notícia lhe trouxeram elas? – perguntou outra, muito curiosa, logo de seguida.
O Gladíolo ordenou as suas lindas flores, alinhou as suas folhas finas e compridas e com voz segura disse:
- A minha tia está muito doente, quase a morrer e eu queria vê-la. É uma irmã da minha mãe de quem eu gosto muito!
A velha Hera que tinha sempre resposta para tudo e que achava que as leis eram para serem cumpridas, ripostou:
- Senhor Gladíolo, a licença pede-se e em três dias o senhor sabe a resposta ao seu pedido.
O Gladíolo não ficou calado e respondeu prontamente, bastante indignado:
- Três dias? É muito! Ela pode morrer antes disso. Não há tempo a perder! Eu tenho de ir antes que seja tarde de mais! Se não me deixarem ir, serão vocês as únicas responsáveis…
As Heras olharam umas para as outras preocupadas, mas não muito convencidas. Os Pirilampos, que voltejavam sem parar em redor do Gladíolo, pararam por instantes inquietos e expectantes. As Heras mostravam-se, agora, muito perturbadas. Elas não queriam passar por cima da lei.
- As leis devem ser sempre cumpridas – dizia pausadamente, martelando cada sílaba, a Hera mais velha.
- E se a tia morre? – perguntou outra Hera cheia de pena do Gladíolo que a olhava cada vez mais consternado.
- Ele nunca mais a verá – afirmou a Hera com mais de cem anos.
- Não podemos fazer mesmo nada? – perguntaram as outras Heras em coro.
O Gladíolo mantinha-se calado, curvado, à espera.
Os Pirilampos permaneciam parados à volta do Gladíolo, tristes e quase sem luz.
Tudo estava silencioso naquele jardim: as flores, as árvores, as ervas, todas as plantas dormiam profundamente; a água do lago, muito quieta, brilhava à luz da lua, parecendo um grande espelho oval; os pássaros, recolhidos nos seus ninhos, dormitavam aconchegados.
Só perto do velho portão verde havia vida: as Heras discutiam, porque não concordavam umas com as outras e ralhavam e gritavam alto, já descontroladas; o Gladíolo, muito calado e quieto, ora olhava para umas, ora olhava para outras, sem saber o que dizer ou fazer; os Pirilampos recomeçaram a voar muito baixinho e muito devagar, iluminando apenas a cara tristonha do Gladíolo.
...


Continua

1 comentário:

Maria Mateus Manuela Saturnino disse...

Que orgulhosa e gostosa homenagem ao Luís! Eu sou a tal M.M.S. q tb me sinto aqui, em parte, homenageada. Sucesso para ele e bj à mamã.